O PHILA 7 AGORA

O Phila7 é identificado, dentro do panorama teatral, como um coletivo que atua na relação entre Arte e Tecnologia. Foi o grupo teatral pioneiro no mundo a ligar três audiências e três grupos teatrais (Phila7 em São Paulo / Theatreworks em Singapura / Station House Opera em Londres) com o espetáculo transcontinental via internet “Play on Earth” em 2006. Durante os 16 anos de sua existência, ele vem pesquisando e estudando como incorporar ao teatro as novas tecnologias que (num sentido mais amplo) vêm transformando a condição humana.

Ao nos perguntarmos sobre os rumos da arte e sua função, inevitavelmente, olhamos para o momento atual e suas circunstâncias. O advento da pandemia do Covid-19 e as grandes mudanças climáticas, os fenômenos culturais e políticos recentes, apontam para as questões que merecem ser discutidas e ampliadas através da obra artística.
Depois de Aparelhos de Superar Ausências (21ª. edição do Fomento ao Teatro), onde abordamos os movimentos sociais (tanto nas ruas quanto nas redes digitais), ficou evidente que a questão da “alteridade”, constante na dramaturgia do Phila7, continua pertinente ao ser confrontada com a atualidade e suas tendências.

A ideia clássica de espaços de representação, do contato direto de um ator com seu público, característicos da tradição teatral, pode ser entendida como cultura arbórea, ou seja, fixa num mesmo tronco. Contudo, todos os sistemas contemporâneos de comunicação e pensamento tendem para o rizomático, em que uma ideia constrói pontos de relação aleatórios e abertos. Trazer para dentro do espaço do teatro outros espaços e, ao mesmo tempo numa inversão de vetor, levar o espaço do teatro para fora – condição essa tornada possível porque a noção de presença hoje também se aplica à imagem e aos espaços virtuais que determinam sua “concretude” – não define mais uma única realidade, mas várias, que aparecem e se formam de maneira diversa.
No mundo atual, onde a tecnologia midiática inegavelmente provoca novos padrões de comportamento, um outro entendimento de presença surge (não só traduzido por uma relação de fisicalidade, mas também pelo uso da imagem, do hipertexto, da velocidade de comunicação, etc.), gerando outras personas que estabelecem padrões contemporâneos de subjetividade.
Com o surgimento da Covid-19, o teatro se reinventou e passou a utilizar esses recursos midiáticos como forma de sobrevivência.  No entanto, a participação do público, como um vetor da performance, que vinha crescendo e se destacando a ponto de se tornar um conceito-chave nas práticas contemporâneas, sofreu um baque com o distanciamento social e fechamento de teatros ao redor do globo.

CONCEITOS

TramaturgiaConceito que incorpora a ideia de trama, rede, teia. Propomos uma dramaturgia porosa, permeável às múltiplas linguagens. Um processo que não finca os pés no drama pré-concebido. A Tramaturgia é a escrita cênica específica para cada trabalho, não só constituída pela palavra, mas também por todos outros elementos de composição da cena. Parte de um um agenciamento, uma imanência, que nos leve para percepções estéticas na forma de arte.
Superfície de Eventos: plano das ideias formado por diferentes fluxos conceituais e artísticos (a palavra, o corpo, a imagem, as redes, as artes digitais, artes computacionais, etc.) que vão constituindo de forma rizomática esta superfície estético-ética-reflexiva. Substitui a palavra espetáculo, montagem e etc.

Lugar teatro
Lugar imagem
Lugar presença
Lugar Nação
Lugar memória
Todos os lugares

Como nomear esse espaço-tempo ético-estético, que pretende através da história da construção das nossas múltiplas identidades, propor a possibilidade de um outro lugar.
Em tempos sombrios, onde tudo se quer “narrativas”, mergulhamos em uma zona de esfumaçamento onde a nossa tessitura de povo desaparece como se tudo não fosse um caso de sangue.

Um lugar de vivências, onde nossa história se reconstrói através de textos, objetos, imagens e povoamentos. Uma zona autônoma temporária onde um levante de artistas de todas as estéticas se reúne para a partir de uma máquina teatral e todas as suas ramificações do presente viajem através de todos os tempos para falar de desejos.
“Somos como pedaços de um espelho quebrado. Houve uma vez o objeto em perfeito estado. Ele refletia o céu, o mundo e a alma humana. E houve, não se sabe quando nem por quê, a explosão. Os pedaços de que dispomos hoje fazem parte sem dúvida da matéria original. E é nesse pertencimento à matéria original que reside sua unidade, seu perfume, sua identidade de atmosfera.” (Visniec)
Teatro sempre luta e se transforma sem nunca abandonar suas raízes. Nestes tempos pandêmicos se reinventou para que pudesse continuar a refletir sobre a nossa condição de humanos.

Nós, então, como bons piratas, vamos nos apropriar dessa condição agora já incorporada e recuperar do edifício da nossa história e sua arqueologia de formação provocando sensibilidades novas ou adormecidas para um despertar de outras formas de “viver juntos”.

“Somos essa memória, somos esse quimérico museu de formas inconstantes, esse montão de espelhos rompidos.” (Borges)
Neste lugar ainda sem nome e, portanto, recipiente de todos os nomes, todas as ancestralidades esquecidas e pisoteadas impregnam cada objeto, cada imagem, cada palavra, e cada corpo da beleza de todas as existências para podermos vislumbrar algo mais justo.
Você não experimenta, você é a experiência.

Sobre os procedimentos de pesquisa do Phila7

“O primeiro impacto vivido pelos atores da Cia. Phila7 deu-se em relação à construção de seus personagens. A não-linearidade que permeou o espetáculo refletia-se também nos seus caracteres, desprovidos de uma unidade psicológica definida e concentrada na resolução de um conflito aparentemente claro. A fragmentação e a ausência de um referencial consolidado para a narrativa exigiam do elenco uma revisão na forma tradicional de elaboração dos passos de seus personagens. O “duplo” preconizado por Antonin Artaud dá lugar a uma identidade múltipla e d ifusa, representada de maneira pulverizada tanto na dimensão presencial como nas projeções do que transcorria nos demais países. Esta multiplicidade de identidades evidencia duas questões. Primeiramente, demonstra que a natureza dos meios digitais e rizomáticos de comunicação permitem a manifestação de diversos “eus” emanados por um mesmo indivíduo, que se fragmenta nos nodos das redes de que participa e, com isso, passa a interagir socialmente de acordo com as regras naturais a cada círculo em que se insere. Trata-se, portanto, de uma “teatralização” da existência que auxiliada por um potencial de comunicação e troca altamente expandido sobretudo pela internet – se manifesta de modo progressivamente drástico e corriqueiro. O indivíduo-ator joga não mais com uma, porém com várias singularidades.” (Rodolfo Araújo em “Panorama da teatralidade remidiada: uma reflexão a partir de Play on Earth”)

“Por ocorrerem em mais de uma localidade, os espetáculos apresentam camadas dramatúrgicas que se sobrepõem aos acontecimentos presenciais verificáveis nos palcos. As projeções nas partes externas dos teatros e a transmissão das imagens internacionais criam um mosaico entrecortado, no qual o fio condutor faz-se uno e íntegro somente se efetivamente conectado por entre os frames que compõem o drama. A conectividade, além de advento tecnológico, é um espaço imaterial no qual o espetáculo efetivamente ocorre, ou seja, um espaço virtual em que os símbolos dialogam e produzem sentidos. O aspecto mais destacável resid e na quebra da narrativa teatral a partir de outros recursos não apenas cosméticos, mas decisivos para a ampliação e compreensão do drama” (Rodolfo Araújo em “Panorama da teatralidade remidiada: uma reflexão a partir de Play on Earth”)

“A presença, portanto, estaria ligada a uma comunicação corporal direta com o ator que está sendo objeto de percepção. Este aspecto trazido pela teorização da presença corporal do teatro, é entendido no trabalho do Phila 7, como presença carbônica, e quando esta presença é estendida para as superfícies em que são projetadas as imagens do ambiente virtual, na cena, esta presença, é compreendida como presença silícica.
Com o objetivo de expansão dessas presenças cênicas, a Cia respalda sua criação na noção de que a tecnologia digital deste século levou o espectador contemporâneo a compreender de outra maneira como se dão as trocas simbólicas entre os corpos. A Internet, portanto se apresenta como uma forma de estender a presença até outros lugares em tempo real, o que consequentemente entrega ao teatro a mesma capacidade de operação na rede, trazendo-a para a cena, não somente como aparato cênico, ou como plataforma tecnológica, mas como uma força expressiva.” (Janailton Santos de S ouza em CENA EXPANDIDAinterferências de mídias e multimeios no discurso poético da Cia Phila 7” – 2011)

“O processo de montagem de um trabalho no Phila7, obviamente se inicia na reunião e debate de todas as questões que permeiam a criação artística do grupo, e a apropriação destas noções se dão em encontros frequentes na sede da Cia em São Paulo entre todos os participantes, sejam eles atores, técnicos de cena, de informática, cenógrafos, produtores ou qualquer outro participante necessário a cada processo. Este encontro, podemos observar, é uma maneira eficaz de avançar na elucidação – ou ao menos processos que apontem para isso – das inquietações que permeiam o fazer est& eacute;tico do coletivo, o que gera consequentemente um resultado mais contundente nas criações e revela a contextualização de seu exercício artístico.

A estrutura de coletivo, portanto, aparece na concepção do grupo, como uma proposta metodológica, onde cada um se insere no processo de maneira a integrar-se em um processo que se entende como um todo.  Rubens Velloso afirma que a necessidade de entender esse processo criativo de uma forma coletiva se mostra eficaz na concretização do trabalho, cada participante atua de forma autônoma dentro de suas especificações profissionais, mas os territórios dessas criações não são – e não devem ser – apartados, para não interferir na proposta principal do grupo, que é justamente a coletivização de ideias e de pessoas que pensem expansivamente, e que imaginem a possibilidade de expandir na rede para outros territórios uma atividade que acontece em uma sala escura, ou seja, o fenômeno do teatro e sua efemeridade sendo explodido de um espaço limitado por paredes, para outros lugares ao redor do globo.” (Janailton Santos de Souza em “CENA EXPANDIDA: interferências de mídias e multimeios no discurso poético da Cia Phila 7” – 2011)